O Brasil e a Democracia no Início do Século XXI
entre a Soberania Popular e a Austeridade
DOI:
https://doi.org/10.9732/2021.v123.811Palavras-chave:
Democracia. Austeridade. Soberania Popular. Reforma Fiscal.Resumo
BACKGROUND: As mudanças nos mercados globais e nos sistemas produtivos e a gradual corrosão do Estado interventor mobilizaram argumentações tautológicas em prol de políticas de austeridade ao redor do mundo. No caso brasileiro, as políticas de austeridade vieram no bojo de reformas liberalizantes, intensificadas em um momento de transição política, marcado pelo controverso impeachment de 2016 e céleres aprovações de reformas orientadas para o mercado – a saber, aquelas que conduzem à desregulamentação de direitos, ligados às relações de trabalho, previdência e à fixação de limites constitucionais as despesas públicas –, evidenciam características relevantes sobre os caminhos que a democracia representativa tem trilhado.
OBJETIVO: O objetivo geral deste artigo é analisar como a defesa de medidas de austeridade projeta e patrocina um sistema específico de normas que desmantela o fluxo democrático de efetivação de direitos sociais e reforça instituições orientadas para o mercado. Os objetivos específicos contemplam a possibilidade de traçar um breve panorama com aspectos históricos e gerais das reformas orientadas para o mercado, delimitar pontos privativos à reforma fiscal de 2016 e analisar informações quantitativas que ratifiquem os argumentos apresentados e sugiram resultados sociais deletérios entre 2016 e 2019, decorrentes das mudanças implementadas com os marcos legais avaliados.
MATERIAL E MÉTODO: Trata-se de pesquisa exploratória, aplicada, essencialmente qualitativa e cujos procedimentos metodológicos incluem pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e procedimentos próprios estudo de caso. O recorte temporal gira em torno dos anos de 2016 a 2019 e os dados estatísticos secundários apresentados operam como meros expedientes ilustrativos para endossar os argumentos trabalhados.
RESULTADOS: O artigo analisou as implicações da atual agenda de reformas liberalizantes no Brasil à luz da experiência internacional, destacando suas especificidades e efeitos negativos para a continuidade das políticas redistributivas e da própria democracia no país.
CONCLUSÕES: Observou-se que a implementação dessas reformas após 2016, ainda que tenham sido legitimadas em espaços democraticamente constituídos, deixam rastros de profunda assimetria de interesses que irrompem uma democracia sem demos. Esse processo não se anuncia como tal, mas, à medida que as atividades dos atores estratégicos, seus recursos de poder, suas escolhas e preferências são criticamente analisados, as inferências não podem ser outras senão aquelas que reconhecem que a democracia, para além do pleito eleitoral, tem sofrido um sutil processo de desdemocratização com a drenagem de seus fundamentos soberanos sem que suceda, no entanto, sua derrogação formal.
Referências
AZEVEDO, Maria Cândido Simon; VIEIRA, Luciene Klein. Cooperativo, transnacional e regulador: o esquema de integração como um (novo) paradigma para a teoria do Estado. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 118, 17 jun. 2019.
BERCOVICI, Gilberto. O estado de exceção econômico e a periferia do capitalismo. In: Pensar, Fortaleza, v. 11, p. 95-99, fev. 2006.
BLYTH, Mark. Austeridade: a história de uma ideia perigosa. Trad. Freitas e Silva. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.
BRASIL. Emenda Constitucional n.º 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Brasília, DF: 2016b.
______. Emenda Constitucional n.º 102, de 26 de setembro de 2019. Dá nova redação ao art. 20 da Constituição Federal e altera o art. 165 da Constituição Federal e o art. 107 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília, DF: 2019b.
______. Exposição de Motivos Interministerial EMI nº 00083/2016 MF MPDG. Brasília, DF: 2016a.
______. Ministério da Economia. Boletim de Estatísticas Fiscais do Governo Geral. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2020a.
______. Ministério da Economia. Dívida Pública Federal: Relatório Anual 2019. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2020b.
______. Ministério da Economia. Dívida Pública Federal: Relatório Anual 2018. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2019c.
______. Ministério da Economia. Nota Técnica SEI nº 6/2019/SPREV/SEPRT-ME, de 19 de fevereiro de 2019. Secretaria da Previdência DF, Brasília, 2019a.
BROWN, Wendy. American Nightmare: Neoliberalism, Neoconservatism, and De-Democratization. In: Political Theory, v. 34, n. 6, pp. 690-714, dec. 2006.
CAMPOS, Adriana; MORAES, Ricardo Manoel de Oliveira. Governo representativo e crise do direito democrático: a confusão entre "democrático" e "eleitoral". In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 120, 8 jun. 2020.
CEPAL (Comissão Econômica para América Latina e Caribe). Panorama Social de América Latina 2019. LC/PUB.2019/22-P, Publicação das Nações Unidas, Santiago do Chile, 2019.
CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. Trad. Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo: UNESP, 2004.
COELHO, André Felipe Canuto; OLIVEIRA, José André Wanderley Dantas de. How to fight tax evasion: real progressivity. In: Revista Brasileira de Estudos Políticos, v. 118, 17 jun. 2019.
CRUZ, Sebastião C. Velasco e. Trajetórias, casos nacionais de reformas econômicas e respostas à crise mundial. Textos para Discussão CEPAL-IPEA, n. 9. Brasília, DF: Escritório no Brasil/IPEA, 2010.
DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaios sobre a sociedade neoliberal. Trad. Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo, 2016.
DWECK, Esther; VIANNA, Matheus Trotta; BARBOSA, Arthur da. Discussing the role of fiscal policy in a demand-led agent-based growth model. In: EconomiA, v. 21, n. 2, pp. 185-208, 2020.
ELSTER, Jon. Ulisses liberto. Trad. Cláudia Sant'Ana Martins. São Paulo: Editora Unesp, 2009.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do welfare state. In: Lua Nova, São Paulo, n. 24, p. 85-116, set. 1991.
HELLER, Herman. Authoritarian liberalism. In: European Law Journal, v. 21, n.3, pp. 295-301, 2015.
HOLMES, Pablo. O Constitucionalismo entre a Fragmentação e a Privatização: Problemas Evolutivos do Direito e da Política na Era da Governança Global. In: Dados, Rio de Janeiro, v. 57, n. 4, pp. 1137-1168, 2014.
MARIANO, Cynara Monteiro. Emenda constitucional 95/2016 e o teto dos gastos públicos: Brasil de volta ao estado de exceção econômico e ao capitalismo do desastre. Revista de Investigações Constitucionais, Curitiba, v. 4, n. 1, pp. 259-281, 2017.
MILANOVIC, Branko. Capitalismo sem rivais: O futuro do sistema que domina o mundo. São Paulo: Editora Todavia, 2020.
MISES, Ludwig Von. Ação Humana: um tratado de economia. 31ª ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010.NERI, Marcelo Côrtes. A escalada da desigualdade: qual foi o impacto da crise sobre a Distribuição de Renda e a Pobreza? In: FGV Social, Rio de Janeiro, 2019.
NOCE, Umberto Abreu; CLARK, Giovani. A Emenda Constitucional n.º 95/2016 e a violação da ideologia constitucionalmente adotada. Revista de Estudos Institucionais, v. 3, n. 2, pp. 1216-1244, 2018.
OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Relatórios Econômicos OCDE: Brasil 2018. Éditions OCDE, Paris, 2019.
OREIRO, José Luís. Só a retomada do desenvolvimento econômico, não o ajuste fiscal perpétuo, pode salvar o Brasil do colapso. Revista NECAT, Florianópolis, v.7, n. 14, 2018.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do aparelho do Estado e a Constituição brasileira. Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, ESAF, Brasília, 1995.
PIKETTY, Thomas; SAEZ, Emmanuel. The Evolution of Top Incomes: A Historical and International Perspective. In: American Economic Review, v. 96, n.2, pp. 200-205, 2006.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens de nossa época. Trad. Fanny Wrabel. 2. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
SCHARPFT, Fritz W. The assymmetry of European integration, or why the E.U cannot be a ‘social market economy’. In: Socio-Economic Review, v. 8, n. 24, pp. 211–250, 2010.
SLOBODIAN, Quinn. Globalists: The end of empire and the birth of neoliberalism. Cambridge: Harvard University Press, 2018.
SOUZA, Pedro H. G. Ferreira de. Uma História da Desigualdade: a concentração de renda entre os ricos no Brasil (1926-2013). São Paulo: Hucitec/Anpocs, 2018.
STREECK, Wolfgang. Tempo Comprado: a crise adiada do capitalismo democrático. Trad. Marian Toldy. São Paulo: Boitempo, 2018.
STREECK, Wolfang; MERTENS, Daniel. An index of fiscal democracy. In: MPIfG working paper, n. 10/3, Max-Planck-Institut für Gesellschaftsforschung, Köln, 2010.
ROSSI, Pedro et al. Austeridade fiscal e o financiamento da educação no Brasil. In: Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 40, 2019.
TAVARES, Francisco Mata Machado; RAMOS, Vitor Garcia. O novo regime fiscal brasileiro e a democracia: interpretações sobre uma incompatibilidade. In: Boletim Goiano De Geografia, v. 38, n.3, pp. 450-472, 2018.
TILLY, Charles. Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
THE WORLD BANK / INTERNATIONAL BANK FOR RECONSTRUCTION AND DEVELOPMENT. Doing Bussiness 2019. Disponível em: https://www.doingbusiness.org/content/dam/doingBusiness/media/Annual-Reports/English/DB2019-report_web-version.pdf. Acesso em 26 nov. 2019.
URBINATI, Nadia. Democracy Desfigured: opinion, truth and the people. London: Harvard University Press, 2014.
Downloads
Publicado
Como Citar
Edição
Seção
Licença
Autores que publicam nesta revista concordam com os seguintes termos:
Os autores mantêm os direitos autorais e concedem à Revista Brasileira de Estudos Políticos o direito de primeira publicação, com o trabalho simultaneamente licenciado sob a Licença Creative Commons Attribution. Essa licença permite o compartilhamento do trabalho com reconhecimento da autoria e publicação inicial nesta revista, desde que sem fins comerciais.
É permitido ainda que outros distribuam, adaptem e criem a partir do seu trabalho, sem fins comerciais, desde que lhe atribuam o devido crédito pela criação original.
Autores têm autorização para assumir contratos adicionais separadamente, para distribuição não-exclusiva da versão do trabalho publicada nesta revista (ex.: publicar em repositório institucional ou como capítulo de livro), com reconhecimento de autoria e publicação inicial nesta revista.
Autores têm permissão e são estimulados a publicar e distribuir seu trabalho online após o processo editorial, já que isso pode gerar alterações produtivas, bem como aumentar o impacto e a citação do trabalho publicado.
Authors who publish in this journal agree to the following terms:
The authors maintain the copyright and grant the Brazilian Journal of Political Studies the right of first publication, with the work simultaneously licensed under the Creative Commons Attribution License. This license allows the sharing of the work with authorship recognition and initial publication in this journal, as long as it is not for commercial purposes.
It is also allowed that others distribute, adapt and create from their work, without commercial purposes, as long as they attribute due credit for the original creation.
Authors are allowed to enter into additional contracts separately for non-exclusive distribution of the version of the work published in this journal (e.g., publish in an institutional repository or as a book chapter), with authorship recognition and initial publication in this journal.
Authors are allowed and encouraged to publish and distribute their work online after the editorial process, as this can generate productive changes as well as increase the impact and citation of the published work.