Saúde e ciência na contemporaneidade:

o processo de vacinação compulsória e a tese fixada pelo STF

Autores

  • Janaína Machado Sturza Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI
  • Marcelo Gonçalves Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ

DOI:

https://doi.org/10.9732/2022.V124.866

Resumo

Os movimentos antivacina ganharam expressividade nos últimos anos, levando a constatação de que doenças, antes erradicadas, começaram a retornar. A pandemia do novo coronavírus reacendeu o debate, levando o STF a julgar constitucional a vacinação compulsória, jamais forçada, contanto que, dentre outros requisitos, os imunizantes possuam base cientifica. Adotando-se o método fenomenológico, combinado com o estudo de caso – pela análise das decisões do STF acerca da matéria, e o método de abordagem bibliográfico, o presente artigo objetiva analisar em que medida o STF efetivamente encerrou a questão acerca do Estado poder (ou não) obrigar o indivíduo a se vacinar. A primeira seção dedica-se ao estudo dos movimentos antivacina, com exposição de dados e a retomada histórica do movimento. A segunda seção analisa as decisões do STF, proferidas no final de 2020, bem como o funcionamento da retórica da verdade na contemporaneidade e a relação da vacinação obrigatória com os princípios da bioética. A discussão sobre a credibilidade da segurança e eficácia das vacinas, a justificar a compulsoriedade da aplicação, extrapola limites jurídico-políticos, esvaziando a decisão da Corte Superior. Portanto, verifica-se que o STF não solucionou o tema, apenas relegou o debate à ciência e à formação da verdade na contemporaneidade.

Biografia do Autor

Janaína Machado Sturza, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUI

Pós doutora em Direito pela Unisinos. Doutora em Direito pela Universidade de Roma Tre/Itália. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC. Especialista em Demandas Sociais e Políticas Públicas também pela UNISC. Professora na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, lecionando na graduação em Direito e no Programa de pós-graduação em Direito - mestrado e doutorado. Integrante da Rede Iberoamericana de Direito Sanitário. Integrante do Comitê Gestor da Rede de Pesquisa em Direitos Humanos e Políticas Públicas. Integrante do grupo de pesquisa Biopolítica e Direitos Humanos (CNPq). Pesquisadora Gaúcha FAPERGS – PqG Edital 05/2019.

Marcelo Gonçalves, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ

Doutorando em Direitos Humanos pela UNIJUÍ. Mestre em Direito, pela UPF – ano de obtenção: 2020. Especialista em Advocacia Criminal, pela UPF - ano de obtenção: 2017. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela UPF - ano de obtenção: 2015. Advogado.

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Publicado

2022-07-01

Como Citar

Machado Sturza, J., & Gonçalves, M. (2022). Saúde e ciência na contemporaneidade:: o processo de vacinação compulsória e a tese fixada pelo STF. Revista Brasileira De Estudos Políticos, 124. https://doi.org/10.9732/2022.V124.866

Edição

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Artigos