O controle de constitucionalidade nos Tribunais de Contas
a jurisprudência do STF analisada à luz do princípio da juridicidade
DOI:
https://doi.org/10.9732/2021.v123.937Palavras-chave:
Controle de Constitucionalidade. Tribunais de Contas. Juridicidade. Supremo Tribunal Federal. Súmula nº 347.Resumo
CONTEXTO: O Supremo Tribunal Federal (STF) vem sinalizando uma possível superação da conhecida Súmula nº 347, segundo a qual “o Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. Alguns ministros já expressaram claramente que, à luz da Constituição da República de 1988 (CR), haveria chegado o momento de modificar esse entendimento, forjado sob o regime constitucional anterior.
OBJETIVO: Este trabalho tem por objetivo avaliar os argumentos que vêm sendo trazidos a lume no âmbito do STF por sua jurisprudência tradicional e, também, por aqueles que agora defendem a insubsistência da referida Súmula, à luz da concepção teórica que submete a Administração Pública ao princípio da juridicidade, para apurar se os TCs, ao exercerem a fiscalização que lhes compete, devem se pautar também pela análise da constitucionalidade dos atos apreciados.
MATERIAL E METODOLOGIA: Na primeira etapa da investigação foi adotado o método indutivo e a pesquisa documental, a partir do exame de diversos julgados do STF sobre o tema. A fase final da investigação consistiu numa análise qualitativa dos argumentos veiculados pela Suprema Corte, a partir do método dedutivo. Com lastro em revisão bibliográfica, foram delineados os contornos da concepção teórica que defende a necessária compatibilidade dos atos administrativos com o princípio da juridicidade.
RESULTADOS: É possível afirmar que a maior parte dos ministros concorda com a possibilidade de que órgãos administrativos, ao exercerem o controle sobre atos administrativos, possam deixar de aplicar uma lei considerada inconstitucional, prevalecendo, no caso concreto, a Constituição. Há certa divergência quanto a essa postura ser efetivamente um controle (difuso) de constitucionalidade. Os princípios da legalidade (no sentido de juridicidade), da economicidade e da legitimidade são parâmetros constitucionais gerais de controle. Existe amparo no texto constitucional para a tese de que o controle atribuído aos TCs não pode ser reduzido a um juízo de legalidade estrita.
CONCLUSÕES: Analisados os julgados do STF sobre a temática à luz do princípio da juridicidade, é possível concluir pela ausência de argumentos que justifiquem a superação da Súmula nº 347 do STF, mormente porque não se atribui a órgão alheio ao Judiciário a possibilidade de efetivar um controle de constitucionalidade que abarque uma declaração formal de incompatibilidade da norma viciada com o texto constitucional. A rigor, assegura-se às Cortes de Contas apenas a possibilidade de fazer valer a Constituição quando, no caso concreto, a lei que seria aplicável afrontar de forma direta o texto constitucional. Vedar essa atividade ensejaria a subversão da lógica da hierarquia das normas no ordenamento jurídico, privilegiando-se uma legalidade estrita em detrimento da força normativa e da supremacia das normas constitucionais.
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